quarta-feira, dezembro 07, 2005

A morte lhe cai bem

Eu sei que sou crítico ao extremo quando comento assuntos ligados à propaganda. É um mundinho que eu conheço bem. Conheço os vícios, as intenções, os podres, os egos, as características, a linguagem, as técnicas, as armações e pelo menos mais uns 564 motivos para falar mal.

Mas nem tudo é coisa que gato enterra nesta profissão. Tem muita gente criativa e inteligente no ramo, desenvolvendo campanhas que vendem e que não são apenas alegorias vazias ou ‘uma sacada do caralho’. É o caso do pessoal que responde pela conta da Sinaf Seguros.

Nós, brasileiros, somos filhas-da-puta natos. Adoramos fazer piadinhas de mal gosto com assuntos considerados delicados. Gostamos de discutir tabus na mesa do bar, de sacanear o próximo na hora errada, de subverter valores. Transformamos o macabro e o proibido em elementos lúdicos, e nos distanciamos do que eles realmente representam para podermos entendê-los, ou mesmo para conseguirmos conviver com eles.

Só isso mesmo para explicar o sucesso da comunicação da Sinaf. Pra quem não conhece, é uma empresa que vende planos de assistência funeral. Seguros, de uma forma geral, são produtos meio delicados de vender via publicidade. Imagine a dificuldade que é persuadir pessoas a pagar por algo que elas esperam não ter que desfrutar nunca. Pois o pessoal da agência Carioca meteu o dedo na ferida. Logo nas primeiras peças – outdoors -, estamparam fotos de idosos e, ahm, digamos, pessoas ‘exóticas’ ao lado de frases bem humoradas. Todas fazendo graça com aquela que é única certeza que temos na vida: a morte. “Nossos clientes nunca voltaram para reclamar”, “Não é justo você ir para o céu e sua mulher para o SPC”, “Seguro de vida Sinaf: você vai dar graças a Deus. Pessoalmente” e “Cremação: mais uma novidade quentinha” foram algumas das frases mais legais e que deram conta do recado na campanha. Depois vieram os filmes. Em um, o defunto era jogado pra cima no velório, enquanto seus amigos e familiares cantavam "fulano é bom companheiro, ninguém pode negar!". No outro, uma viuva baranga era assediada por um garotão em pleno velório (o cara chegava até a dar uma buzinada na buzanfa da coroa).


O painel da foto foi afixado próximo ao elevado Paulo de Frontin, local com trânsito de carros intenso a qualquer hora do dia ou da noite.

A ousadia chamou a atenção de todo mundo. Muita gente discutiu ética, criatividade, adequação e o escambau. Até a imprensa deu cartaz para a polêmica campanha. Só sei que o tal plano deve ter vendido que nem flôr em porta de cemitério. Prova disso é que a campanha continua nas ruas até hoje, sempre com novas frases da mais fina ironia e da mais grossa cara-de-pau.

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