quarta-feira, outubro 05, 2005

É feio mas tá na moda


Em primeiro lugar, preciso dizer que não gosto de ‘funk carioca’. Reconheço a legitimidade do movimento como expressão de população favelada, a originalidade da sua gênese (bem ao estilo do brasileiro, que mistura X e Y pra gerar Z) e até deixo passar o discurso de alguns que dizem ser uma manifestação cultural importante. Mas não consigo tirar da cabeça a idéia de que este “estilo musical” é, fundamentalmente, a trilha sonora do tráfico. É cristalino de tão evidente: tá na linguagem, no gestual, na excitação catártica, no ‘duplo-sentido-que-na-verdade- é-um-só’ tendencioso e na arregimentação ideológica de uma manada de jovens idiotizados de todas as classes.

Quem não lembra da imbecil da Xuxa, com sua inocência estrategicamente planejada por sua equipe de marketing, cantando e propagando para o Brasil pérolas como “Tá dominado!” (que é como uma facção comemora quando toma a boca alheia) e “Vou passar cerol na mão” (passar o rodo em alguém, seja bandido, trabalhador, policial, etc). A linguagem é uma das principais armas da dominação cultural. É por isso que nós falamos hot-dog, approach, downsizing, drive thru, branding e outras besteiras em vez de utilizar as correlatas em português.

Antes que você pense que eu sou radical, releia as primeiras quatro linhas do parágrafo inicial. Acrescento também que sou contra qualquer forma de preconceito. Os MCs e Bondes (outra palavrinha saída do dicionário do tráfico), apesar de fazerem uma música rasa, repetitiva e com um vocabulário limitadíssimo, têm todo o direito de se expressar livremente. Público pra isso tem, e aos montes. Fazer o quê, gosto não se discute.

O filme? Ah, sim. Isso tudo foi pra dizer que vi Sou feia mas tô na moda, documentário de Denise Garcia. Preferências pessoais à parte, acho que o resultado final não foi tão satisfatório assim. Se a idéia inicial era focar sobre as ‘tchutchucas’ e ‘cachorras’ do funk, ela foi diluída na tentativa de contar as raízes do movimento, que, por seu lado, não foi tão aprofundada nem esclarecedora. Ficou meio samba-do-funkeiro-doido, sem um objetivo definido. Culminou com a chegada do DJ Marlboro (o cara mais articulado do movimento) à Europa. O povo gostou, pois foi bastante aplaudido no final.


Depois rolou o debate na tenda da Cinelândia. Não poderia perder isso de jeito nenhum. Na mesa: a diretora, Deise da Injeção, Mr. Catra, MC Frank, MC G3 e o jornalista Silvio Essinger, que espertamente capitalizou em cima da popularidade do movimento com seu livro “Batidão”.

Todos foram unânimes em defender a inocência dos inspirados letristas dos chamados ‘proibidões’. “Isso é a realidade da gente. É a favela cantando para a favela. Não é apologia ao crime, blá, blá, blá”. Então o cara faz uma letra dessas, tipo ‘Bonde do 157’ (veja no final do post) e diz na cara dura que não tá incentivando e enaltecendo práticas criminosas? Sei...

O pior foi um deles dizer que o funk é o gênero mais sincero da música, no sentido de que fala abertamente tudo o que até os mais ousados, tipo forró e axé, não têm coragem de cantar. Então porque não assumem a vocação para a putaria, ao invés de ficarem dizendo que fazem ‘funk sensual’? Hein? Hein?

Esse assunto dá pano pra uma mangueira inteira. Em breve volto com ele.

*Bonde 157 – MC Frank

Não se mexe, não se mexe
Na Chatuba é 157
Não tira a mão do volante
Não me olha e não se mexe
É o bonde da Chatuba, do artigo 157

Vai, desce do carro, olha pro chão, não se move
Me dá seu importado, que o seguro te devolve
Se liga na minha letra, olha nós aí de novo
É o Bonde da Chatuba, só menor periculoso

Audi, Civic, Honda, Citroën e o Corolla
Mas se tentar fugir
Pá! Pum! Tirão na bola ( = cabeça)
Na Chatuba é 157

Aê, parado, ninguém se mexe...
Nosso bonde é preparado, mano
Puta Que Pariu
Terror da Linha Amarela e da Avenida Brasil
Nosso bonde é preparado
Não tô de sacanagem
Um monte de homem-bomba
No estilo Osama Bin Laden

Em tempo: 157 é o artigo do Código Penal Brasileiro que trata sobre o crime de roubo.


::: LEIA TAMBÉM > A volta do funk consciente (matéria da Revista Época)

Um comentário:

Anônimo disse...

Bom eu tenho medo do funk carioca, devo admitir. O que anos atrás era tido como "vulgar" e coisas para meninas auto intituladas de "axezeiras" virou coisa chique e até alternativa. É o poder da mídia: ela transforma qq coisa no que ela quiser, no caso, Gloria Perez transformou o funk em algo "alternativo" e transformou a Raíssa de patricinha mimada a "indie funkeira", e o que mais me revolta é que as baladas que eu ia que realmente tocavam músicas alternativas foram tomadas por essa maldita moda tsc tsc

=****